Joãozinho

Fonte: Silvio Ambrosini - Sivuca - Data: 08/01/2011
Joãozinho "cabeu" no pouso
 
Tenho muito esta mania de olhar para cima, creio que é coisa de voador, de nuvem-maníaco, sei lá... por mais que a gente esteja no centro de São Paulo ou na Imigrantes, olha para as possibilidades de vôo que os lugares oferecem. Eu pessoalmente gosto de me imaginar pousando nos terrenos mais absurdos, fico pensando o que eu faria para pousar numa encosta, num campinho, numa estrada, e assim viajo.
 
Outro dia estava passando por uma cidade do interior quando vi um parapente sobrevoando a cidade. Estava tudo normal, porém quando olhei em volta, percebi que a coisa não era tão normal assim, pois pouso era um item escasso naquele lugar. Havia umas casas, fios, antenas, árvores e um terreno entre duas casas.
 
O fulano se posicionou contra o vento, na verdade ele já vinha fazendo isto fazia algum tempo, pelo jeito ele procurou identificar a direção do vento bem alto para que este problema não ficasse para a última hora. Foi fazendo oitos na pretensa cabeceira da "pista" e no finalzinho ele reduziu a velocidade produzindo um pêndulo. Eis que magistralmente o super piloto libera os freios assimetricamente ao mesmo tempo em que joga o corpo suavemente para uma pequena entrada em curva. O velame avançou contra o chão numa curva de uns 30º e ele passa raspando em alta velocidade no terreno comendo espaço enquanto o muro do outro lado vai se aproximando. Segura um tempo assim e quando o muro já está "terminal" a sua frente, ele freia e o conjunto inteiro ganha altura vertiginosamente. Ele mantém os freios acionados tudo pára e então desce suavemente até tocar o chão.
 
Fiquei abismado com a técnica do rapaz. Parei o carro, entrei por uma abertura no muro e fui até lá conseguir um autógrafo do artista quando me deparo com ninguém mais ninguém menos que o Joãozinho. Foi uma surpresa! Logo exclamei o nome dele que me olhou com seus olhos arregalados dizendo:
 
"Você viu isso, Sivuca? Consegui caber aqui neste terreninho danadipiquenu!" O danado tinha me reconhecido, deve ser por causa deste brinquinho de parapente que não sai da minha orelha, afinal a careca e o nariz ninguém nota...
 
"Pois é Joãozinho, você mandou muito bem!! Como foi que você conseguiu?"
 
"Ah, então..." Foi dizendo ele: "Como o pouso era muito pequeno eu procurei fazer uma curva pequena para gastar o menor espaço possível. Me deu a idéia de pendular e soltar um freio antes do outro pra já ir tombando a vela pra entrar em curva; ela mergulhou e eu entrei pelo lado direito e fui rodando enquanto perdia velocidade. No final freei de novo pra ganhar altura e desci direitinho, você viu só? Deu certo!"
 
"Caramba Joãozinho, mas como é que você conseguiu manter o sangue frio?"
 
"Ah, Sivuca, sei lá, eu acho que eu procurei não deixar as coisas pra última hora... já fui imaginando enquanto estava alto, tudo o que eu poderia antecipar. Então já olhei pra uma fumacinha pra me certificar da direção do vento e simulei a entrada do pouso alto. Depois achei mais um ou dois outros lugares que eu poderia pousar também e escolhi o que me pareceu melhor. Olhei pros postes pra imaginar por onde passavam os fios, né? De lá de cima não dá pra ver fio nenhum então o negócio é olhar pros postes, não lembro quem me ensinou isso..."
 
"E se não desse certo?"
 
"Ah, eu já estava preparado, se eu visse que ia varar mesmo o terreno e corria risco de bater no muro, eu ia aproveitar que já estava em curva e estolava o lado de dentro... ia rolar uma negativa, mas pelo menos eu não ia bundar o chão de full estol né? Uma vez vi um cara estolar os dois lados pra pousar num terreno pequeno e o cara caiu de costas, foi horrível."
 
"Mas e esse negócio de pêndulo pra pousar?"
 
"Então, eu faço assim: calculo a hora que estou a um parapente de altura, aperto os freios espero a vela recuar pra trás de minha cabeça uns 20º e solto os freios. Aí a vela mergulha pendulando. Quando eu passo por baixo da vela, freio de novo e ela sobe. Aí é só esperar que tudo o que sobe desce e piso no chão na boa. Dá pra pousar num espaço muito menor que o normal."
 
"E por que você não faz orelhas pra pousar?"
 
"Orelha? Eu hein!! E entregar o pouso na mão do destino? Eu sô é besta? Prefiro tomar conta do meu pouso eu mesmo. Com orelha não dá pra acionar os freios e uma vez vi um cara pousando de orelha que resolveu de frear com as orelhas acionadas e estolou o trem inteiro caindo de costas no chão. Eu prefiro frear um pouco a vela e soltar pra pendular, é muito mais seguro."
 
"E esse negócio de fazer negativa?"
 
"Ah, então esse é bem louco, eu uso isso se percebo que não vou caber de jeito nenhum. Estolo um lado só numa porrada e a vela roda no eixo descendo meio de lado. Aí é só sair rolando no chão e beleza. Se frear os dois, aí a gente cai pra trás e pode se machucar. Mas acho que o melhor mesmo é procurar um lugar decente pra pousar e principalmente não deixar tudo pra última hora. As vezes que eu me ferrei, estava sempre distraído com alguma coisa quando vi que tinha que pousar. Agora eu presto atenção e já procuro dois lugares alternativo de lá de cima assim não fica pra última hora."
 
"Dois?"
 
"É, me ensinaram que isso se chama Plano B, para tudo o que eu quero fazer, sempre tem que tem uma alternativa caso o plano não dê certo, é como uma carta na manga, o plano B!"
 
"Pô Joãozinho, você não quer vir dar aula lá na Ventomania?"
 
"Ta louco Sivuca? Só porque eu sei fazer umas coisas, não quer dizer que eu seja um bom instrutor. Dar aula é outro departamento!!"
 
Silvio Carlos Ambrosini – Sivuca – www.ventomania.com.br
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