Joãozinho Liftando

Fonte: Silvio Ambrosini - Sivuca - Data: 08/01/2011
Caro Sivuca
 
Depois de tudo o que conversamos na fila do Kinoplex 6 para assistir King Kong com o som THX do George Lucas, fui voar e quando cheguei na rampa estava rolando o maior liftão. Tinha um cara com um parapente igual ao meu pendurado no céu indo tranqüilamente de um lado para outro. Fiquei um pouco olhando ele e dava pra ver que ele penetrava na boa, tenho horror de ventão e ficar que nem um lustre parado no céu. A direção do vento estava de frentinha e ainda era umas nove da manhã, ia demorar bastante pras térmicas chegarem.
 
Não pensei duas vezes, tirei o equipamento da mala e fui voar! Inflei a vela, dei uma olhada pra ela, olhei pro outro cara que estava bem longe, inclinei o peito pra frente e corri decolando reto e meio que subindo. Fui fazendo uma curva para a direita e vi que ia subindo ainda mais.
 
No começo fiquei meio assustado, pois a gente voa muito perto do relevo... pra dizer a verdade eu me sinto mais seguro pendurado numa termal do que raspando a bunda no morro, mas vamo que vamo! Logo que decolei o outro cara tirou para o pouso, acho que ele queria curtir só um pouquinho ou ficou com medo de mim.
 
Fiquei lá no lift sozinho e de cara procurei ficar bem atento para aquele negócio de só fazer curvas pra fora da montanha. Eu ia pra direita com a montanha na minha direita e aí na hora de voltar eu fazia a curva pra esquerda. Aí abria um pouco pra ficar mais na mão de direção até a hora de voltar de novo. Aí dessa vez eu fazia a curva pra direita e assim ia.
 
Outra coisa que eu fiz foi ficar atento para os lugares que subia mais. Parece que conforme o relevo é mais favorável, o lift fica mais forte em alguns lugares. Então eu aproveitava pra gastar mais tempo nestas zonas mais ascendentes fazendo uma curvinha suave. Na hora de fazer a volta no lift também, eu procurava onde subia mais e fazia a volta bem em cima. Nas curvas eu liberava mais os batoques pra pendular um pouco, aí eu jogava o corpo e dava freio do lado de dentro. Depois que a curva terminava eu apertava um pouco os batoques de novo pra reduzir um pouquinho a velocidade e afundar menos.
 
Foi dez, pois rapidinho eu fui conseguindo ganhar mais altura do que antes até ficar bem alto. Bem alto numas né? Afinal eu não estava mais alto que cem metros pra cima da montanha, acho que não dava nem cinqüenta pra dizer a verdade. Mas mesmo assim, depois que eu já tinha ganhado um pouco, foi a hora de tentar ir mais pra fora do lift pra descobrir até onde ele "funcionava". Foi muito legal descobrir que eu não precisava ficar tão colado no morro assim. Dá pra ir bastante para frente afundando muito pouco ou até ganhando às vezes e aí quando eu percebia que ia começar a afundar mais, voltava correndo. Nessa hora dava pra entender porque não é legal fazer a curva contra a montanha. Quando eu ia voltando, o relevo corria rápido logo debaixo de mim e rapidinho eu já tinha que fazer a volta, senão ia parar lá atrás no rotor.
 
Tudo ia indo legal até que chegou uma picape com a maior galera lá embaixo. Os caras estacionaram e começaram a tirar um monte de parapentes da caçamba e se preparar para decolar. Confesso que no começo eu gelei, pois era a segunda vez que eu estava liftando (a primeira sem que o instrutor estivesse na rampa) e já ia ter de voar junto com um monte de gente.
 
Fiquei atento e lembrei da regrinha que dá prioridade a quem está em situação mais complicada, ora... Se os caras vão decolar ainda, então eles estão mais perto do chão e a situação deles é mais complicada, não é isso mesmo? Então concluí que a prioridade é de quem vai decolar e não de quem está passando na frente da rampa. Os caras começaram a inflar e eu então mudei a minha trajetória fazendo a curva antes de chegar na cara da rampa. Eles perceberam e decolaram tranqüilos tentando se juntar a mim.
 
Fiquei pensando que se eles fossem muito preás, talvez não conseguissem subir até onde eu estava e eu aí ficaria olhando eles de cima tranqüilão, mas não foi assim não, rapidinho eles começaram a subir também e em minutos tinha mais cinco caras voando do meu lado.
 
Pensei em tirar pro pouso, mas eles pareciam voar direitinho. Fiquei reparando que eles respeitavam a mão de direção igualzinho quando a gente anda de carro; vai pela direita mais perto do morro e volta pelo outro lado mais afastado do morro. Logo o lift parecia um teleférico com a galera fazendo tchauzinho até.
 
Uma hora eu ia indo pela direita, mas perto da montanha e um cara vinha vindo direto na minha direção. Aí eu só inclinei um pouco o corpo mais para a direita e ele abriu pra esquerda (que é a direita dele). Depois quando eu vinha voltando, o cara me viu e foi jogando bem de levinho para mais perto do morro. Eu então abri me afastando pra minha direita, era bem fácil, prioridade-de-quem-está-em-situação-mais-desfavorável, desvia-sempre-para-a-direita, pilote-de-maneira-previsível!! Eram os conselhos que eu escutava ecoando na minha cabeça.
 
Tinha um cara que voava com um parapente muito antigo e que ia freando muito, dava até pra ultrapassar ele. Olhei a minha possível trajetória entre ele e o morro e me imaginei fazendo a ultrapassagem, mas preferi voltar e me afastar. Fiquei pensando afinal pra quê raio que eu ia ultrapassar o cara se no lift tem que fazer a volta logo depois?
 
Aí decolou um cara de duplo. O cara andava hiper rápido e uma hora eu estava voltando mais afastado do morro quando ele começou a me ultrapassar por fora; acho que ele ficou com medo de ir mais perto do morro e decidiu assim. Foi a maior roubada, pois quando ele me passou, eu senti como se tivesse caído num buraco, fiquei até com medo que o parapente fechasse e dei um apertãozinho nos batoques bem na hora que deu uma afundadona, liberando em seguida; tudo em ordem de novo. Foi aí que eu entendi o motivo desse negócio de ultrapassar por dentro do relevo. É que quando o cara te passa por fora ele joga o maior rotor em você. Isso não é nada ético não é mesmo? Ainda mais vindo de um cara que voa duplo, que deveria ser um piloto que desse o exemplo não? Que cagada! Nessa hora me lembrei que no vôo tem tantos babacas quanto em qualquer círculo social, o negócio é eu fazer a minha parte que já é um adianto e tanto.
 
Tinha um cara que estressou com o cara do duplo, ficou lá gritando, mas eu não gosto de gastar energia com esse tipo de coisa, é mais fácil me afastar e curtir meu vôo, afinal não é toda hora que a gente tem a chance, né?
 
Logo depois um cara foi pousar na rampa, aliás, três! O primeiro foi mais atrás, ficou fazendo umas curvas mais leves e aí ele fez um golfinho, passou perto do chão e estolou o parapente. Pousou direitinho.
 
O outro cara foi fazer igual (sempre tem alguém querendo "fazer igual"), fez um golfinho, mas exagerou nos freios e meteu a bunda na rampa. Ainda bem que a grama segurou a onda... se fosse em Atibaia naquela pedrona, o cara ia ficar "encurralado".
 
Aí veio um terceiro, desta vez virou show de horrores: no lugar de ele ir mais para trás, entrou de lado e saiu arrastando e levando um monte de turista junto. Até arrancou a câmera de uma mina que tava tirando umas fotos da gente. O pior é que ele caiu de lado e no lugar de soltar o freio pra poder botar a mão no chão, ele ficou segurando. E aí lógico, né? o parapente freou o lado errado e o cara foi arrastando pela rampa toda. Um cara no lift gritou: "Ô palhaço!"... putz, quer saber? Ele mereceu, afinal essa parada de largar-o-batoque-quando-tomba-de-lado-pra-poder-apoiar-a-mão-no-chão eu aprendi no morrinho né? Todo mundo deveria saber disso.
 
Eu que sou louco, mas não sou burro, nem tentei pousar na rampa. Pra dizer a verdade fiquei só olhando de cima e imaginando a trajetória, é legal esse negócio de imaginar né? Foi assim que eu não errei mais a aproximação depois do meu primeiro brejo.
 
O que começou a acontecer logo mais, foi que todo mundo começou a perder altura, parece que o vento foi diminuindo e a galera começou a cair do lift. Nessa hora eu decidi cair fora e foi bem na hora, pois uns caras ficaram insistindo e um deles, justo o do duplo não conseguiu chegar no pouso e pousou lá atrás onde tem a maior roubada com direito a brejo e capim gordura; o passageiro deve ter adorado tanto profissionalismo.
 
Eu cheguei até que alto, fiz a aproximação e pousei direitinho no meu alvo imaginário. Eu gosto de alvo, mesmo quando o pouso é grande eu imagino um alvo e sempre tento pousar no ponto exato que imaginei. Uma vez eu tive que pousar num lugar apertado num terreno perto de umas casas e se eu não tivesse treinado alvo, tinha entrado pelo cano.
 
Os outros caras foram pousando e um foi bater na única árvore que tinha no pouso inteiro. Incrível como isso pode acontecer né? Depois ele falou que ficou olhando pra ela com medo de bater e acabou indo justamente pra cima da bendita. "um anti-alvo", eu pensei...
 
Sivuca: adorei a experiência no lift, foi muito gostoso, mas ao mesmo tempo fiquei um pouquinho preocupado pois o tempo ia passando e comecei a sentir que não tinha muito mais o que conquistar, teve até hora que me deu vontade de começar a fazer uns pêndulos, mas aí eu lembrei que eu não tinha planejado isso então desisti. Acho que vale mais a pena investir em fazer algo que te desafie, que exija mais de você, como aprender a voar cross por exemplo. Acho que o retorno é maior, afinal não custou barata a brincadeira né? Não que o lift seja ruim, pelo contrário, é super legal, mas provavelmente logo eu vou começar a correr o risco de ficar ocioso voando. Eu já sei que isso não é bom. Quem voa ocioso, corre mais risco de se quebrar inventando moda.
 
Valew
 
Joãozinho.
 
Silvio Carlos Ambrosini – Sivuca – www.ventomania.com.br
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